11/06/2014

Prima Facie (3) - Erro Crasso

Marcus Licinius Crassus compôs com Júlio César e com Pompeu aquele que viria a ficar conhecido como o primeiro Triunvirato. Teria sido essa a única razão para que ficasse o seu nome inscrito nas lajes da posteridade, não fosse a ambição escusada de querer outra fama que não a de político razoável. Querendo mais do que lhe cabia, acabou por se eternizar pelo que não queria, ou seja, como exemplo máximo de que é possível ficar na História por ser estúpido. Desde que deliberou merecer maior fama do que qualquer outro militar romano, assim que lhe foi atribuída a província da Síria, em 55 a.C., e decidiu iniciar uma campanha militar contra os Partos, até ao dia em que perdeu a vida e a fez perder a, pelo menos, 30 mil romanos, foram muitos os equívocos de Crassus e muitas as evidências de que a mais copiosa das fortunas de pouco ou nada serve em feira em que se negoceie a glória.
Antes ainda de chegar à Mesopotâmia, onde o esperava a sorte que merecem aqueles a quem falta o bom senso, já Crassus, não querendo aguardar em Brundisium (actual Brindisi) que um Júpiter tonitruante e um Neptuno alvoroçado parassem de discutir e se acalmassem, perdera vários barcos na tempestade. À impaciência juntou logo depois a gabarolice das primeiras vitórias, banais como quaisquer primeiras vitórias, e o seu primeiro grande erro estratégico, segundo Plutarco, o de ter interrompido a marcha para fortificar as praças conquistadas e para esperar pelo seu filho, que vinha da Gália para lhe reforçar os números, o que deu tempo aos Partos para se prepararem convenientemente. De seguida, negligenciou os maus presságios, fez ouvidos de mercador aos conselhos de alguns dos seus oficiais, que lhe pediam que tivesse pelo menos a prudência de esperar por informações sobre o inimigo, e rejeitou a aliança proposta por Artabazes, rei da Arménia, que lhe dava tropas em troca de um ataque feito pela Arménia, preferindo continuar pela Mesopotâmia. A confiança de Crassus era de tal modo desmedida que, além de não escutar romanos e aliados, deu em acreditar num árabe de reputação duvidosa, Ariamnes, que, a pedido dos partos, o convenceu a deixar as margens do Eufrates e as colinas. Ingenuamente, encaminhou então o exército pelo deserto, apesar de saber que o inimigo tinha por força principal a sua cavalaria e que, por isso, era recomendável que não se afastassem de terrenos acidentados.
Como se a jactância, de que a imprudência e a ingenuidade são filhas, não bastasse, deu ainda em ser cobarde, pois assim que se soube que o inimigo se aproximava entrou em pânico. O medo conduz geralmente, tanto quanto a total ausência dele, a decisões pouco felizes, e foi decerto por medo que dispôs todas as suas tropas defensivamente, num quadrado, recusando o conselho de Cassius (o mesmo Gaius Cassius Longinus que, mais tarde, conspiraria contra a vida de Júlio César), que lhe dissera que devia estender o exército o mais possível, distribuindo a cavalaria pelos flancos, de maneira a evitar que o inimigo os cercasse. Perante esta disposição táctica, agiram os Partos como se pedia que agissem: cercando-os e disparando flechas indiscriminadamente. Ainda que as flechas inimigas fossem fazendo bastantes feridos, a estratégia de Crassus passava agora por aguardar que se esgotassem as munições, o que obrigaria a outro tipo de confrontação. Mais uma vez, a decisão não foi a mais acertada, pois continuavam a chegar camelos com flechas. Apercebendo-se do erro, reagiu Crassus em desespero mandando avançar o filho, inicialmente num dos vértices do quadrado. Com 1300 cavalos, 500 arqueiros e cerca de 4000 mil unidades de infantaria, o filho de Crassus perseguiu um grupo de partos que se juntou a um maior, caindo assim numa emboscada e perdendo a vida.
Quando a noite chegou, os romanos continuavam cercados, incapazes de desfazer a disposição defensiva inicial, e os Partos recuaram e acamparam por perto. À fanfarronice e ao medo sucedeu-se a apatia, e foram os oficiais de Crassus que tiveram de tomar a decisão de abandonar o campo de batalha, deixando para trás os feridos. Surena, o general parto, não se contentava, porém, com a estrondosa vitória; queria a cabeça de Crassus. E a cabeça dele teria, bastando para tanto que lançasse a Crassus o engodo fatal de uma oferta de paz que inimigo algum, não podendo já ser derrotado, assim de mão beijada concederia. A espectacular derrota do exército de Crassus e a sua própria vida seriam preço suficiente a pagar pelos erros tácticos da fatídica batalha de Carras, acaso não lhe guardasse uma última armadilha o misterioso processo pelo qual os nomes se imortalizam: para sempre Crassus ficou ligado à estupidez do que fez, pois recorda as incidências da campanha militar contra os Partos, talvez sem o saber, quem quer que vulgarmente se disponha a usar a expressão "erro crasso". É, pois, um "erro crasso" todo o erro clamoroso, como clamorosos foram os erros que Crassus cometeu, fosse por ter confiado em demasia na superioridade numérica das suas tropas e no seu valor militar, fosse por ter subestimado um inimigo bem preparado, fosse por ter ignorado conselhos de oficiais experimentados, acatando-os, porém, de desconhecidos que lhe diziam o que queria ouvir, fosse por não ter respeitado alguns dos procedimentos militares mais básicos, fosse por ter sido incapaz de corrigir erros iniciais, de se adaptar a circunstâncias inesperadas ou de raciocinar sob pressão, fosse, em suma, por tudo aquilo que contribuiu para que assim estupidamente capitulasse.
 

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